Compreendendo os Transtornos de Personalidade: Uma Visão Neuropsicológica
- Neuropsicológa Aline Vicente
- 14 de fev.
- 4 min de leitura
Por Dra. Aline Vicente, Neuropsicóloga Clínica

Introdução: O que são Transtornos de Personalidade?
Como neuropsicóloga, frequentemente me perguntam: “O que define um transtorno de personalidade?” Esses transtornos são padrões persistentes de comportamento, pensamento e emoção que se desviam significativamente das expectativas culturais, causando sofrimento ou prejuízo funcional. Eles surgem de uma complexa interação entre genética, ambiente e desenvolvimento cerebral, consolidando-se geralmente no final da adolescência ou início da vida adulta.
A neurociência moderna revela que a personalidade é moldada por circuitos cerebrais envolvendo o córtex pré-frontal (tomada de decisões), a amígdala (emoções) e neurotransmissores como serotonina e dopamina. Traumas precoces, negligência ou abuso podem alterar esses sistemas, aumentando a vulnerabilidade a transtornos.
Os Três Grupos de Transtornos de Personalidade
O DSM-5 classifica os transtornos em três clusters:
Grupo A (Excêntrico/Estranho):
Paranóide, Esquizoide, Esquizotípico.
Grupo B (Dramático/Emocional):
Antissocial, Borderline, Histriônico, Narcisista.
Grupo C (Ansioso/Medroso):
Evitativo, Dependente, Obsessivo-Compulsivo.
Além desses, há as categorias "Mudança de Personalidade Devido a Outra Condição Médica" (ex.: lesão cerebral) e "Transtornos Especificado/Não Especificado" (sintomas mistos ou atípicos).
Detalhando Cada Transtorno
Grupo A
Paranoide (Desconfiança Extrema):
Exemplo: Um paciente relata acreditar que colegas conspiram para demiti-lo, sem evidências.
Critério sine qua non: Suspeita persistente, sem fundamento, de exploração ou traição.
Esquizoide (Desapego Social):
Exemplo: Preferência por hobbies solitários, sem interesse em relacionamentos.
Critério: Indiferença a elogios ou críticas e falta de desejo por conexões íntimas.
Esquizotípico (Pensamento Mágico):
Exemplo: Crença em poderes telepáticos ou medo de palavras "malditas".
Critério: Ideias de referência, crenças bizarras e desconforto em interações sociais.
Grupo B
Antissocial (Desrespeito às Normas):
Exemplo: Histórico de agressão, mentiras e falta de remorso.
Critério: Padrão de violação de direitos alheios desde os 15 anos (DSM-5).
Borderline (Instabilidade Emocional):
Exemplo: Relacionamentos intensos e caóticos, automutilação em crises de abandono.
Critério: Esforços frenéticos para evitar abandono real ou imaginado.
Histriônico (Busca por Atenção):
Exemplo: Comportamento sedutor exagerado em contextos inadequados.
Critério: Desconforto quando não é o centro das atenções.
Narcisista (Grandiosidade):
Exemplo: Necessidade de admiração constante e desprezo por "inferiores".
Critério: Fantasias de sucesso ilimitado e exploração interpessoal.
Grupo C
Evitativo (Hipersensibilidade à Rejeição):
Exemplo: Recusa promoção por medo de críticas.
Critério: Evitação de atividades sociais por insegurança.
Dependente (Submissão Excessiva):
Exemplo: Incapacidade de tomar decisões sem validação do cônjuge.
Critério: Necessidade de que outros assumam responsabilidades por sua vida.
Obsessivo-Compulsivo (Perfeccionismo Rigidez):
Exemplo: Listas detalhadas controlam a rotina, prejudicando prazos.
Critério: Preocupação com ordem, controle e perfeição.
Teste de Rastreio para Transtornos de Personalidade
(Este é um instrumento preliminar e não substitui avaliação profissional. Consulte a neuropsicóloga Aline Vicente para diagnóstico.)
Instruções: Responda às perguntas abaixo com base em como você se sente ou age na maior parte do tempo, não apenas em momentos específicos.
Use a escala:
Nunca | Raramente | Às vezes | Frequentemente | Sempre
Relacionamentos intensos ou instáveis: Você percebe que seus relacionamentos (amorosos, familiares ou de amizade) são marcados por conflitos extremos, idealização ou desvalorização rápida?
Medo de abandono:Você evita ficar sozinho(a) e toma medidas drásticas para evitar ser abandonado(a), mesmo sem sinais reais de rejeição?
Autoimagem instável:Sua percepção sobre quem você é, seus valores ou objetivos muda drasticamente sem uma razão clara?
Impulsividade prejudicial:Você age por impulso em situações que podem causar dano (gastos excessivos, sexo sem proteção, abuso de substâncias, direção perigosa)?
Desconfiança excessiva:Você desconfia constantemente das intenções dos outros, mesmo sem evidências?
Dificuldade emocional:Suas emoções mudam intensamente em poucas horas (ex.: tristeza profunda → euforia), afetando seu dia a dia?
Isolamento social:Você prefere atividades solitárias e sente pouco interesse em se conectar com outras pessoas?
Busca por atenção:Você se sente extremamente desconfortável quando não é o centro das atenções?
Perfeccionismo rígido: Sua exigência por perfeição atrapalha tarefas ou relacionamentos, mesmo quando outros consideram seu comportamento excessivo?
Dificuldade em respeitar limites: Você ignora regras sociais ou direitos alheios, manipulando ou enganando para atingir seus objetivos?
Interpretação Preliminar:
0-10 pontos (Respostas majoritariamente "Nunca/Raramente"):Padrões dentro da variação esperada. Mantenha atenção à sua saúde mental.
11-20 pontos (Respostas "Às vezes"):Algumas características podem merecer observação. Considere acompanhamento psicológico se houver impacto na sua vida.
21-40 pontos (Respostas "Frequentemente/Sempre"):Recomenda-se avaliação profissional. Transtornos de personalidade envolvem padrões duradouros que necessitam intervenção especializada.
Avisos Importantes:
Este teste não confirma diagnóstico.
Transtornos de personalidade exigem avaliação clínica detalhada, incluindo histórico de vida e comportamento.
Se identificou dificuldades, entre em contato para uma consulta:
Comorbidade e Diagnóstico Diferencial
Transtornos de personalidade frequentemente coexistem com depressão, ansiedade ou abuso de substâncias. Por exemplo, 80% dos pacientes borderline apresentam comorbidade com depressão maior (Zanarini et al., 2018). O diagnóstico exige avaliação longitudinal, pois sintomas podem mimetizar outros transtornos.
Neurociência da Personalidade: É Possível Mudar?
A personalidade se estabiliza por volta dos 22-30 anos, quando o córtex pré-frontal amadurece. Porém, a neuroplasticidade permite mudanças em qualquer idade. Terapias como DBT (Dialética-Comportamental) e TCC (Terapia Cognitivo-Comportamental) remodelam padrões disfuncionais, fortalecendo conexões neurais adaptativas. Medicamentos (ex.: estabilizadores de humor para borderline) auxiliam no controle de sintomas.
Tratamento e Esperança
O tratamento é desafiador, mas eficaz. Estudos mostram que até 50% dos pacientes borderline alcançam remissão sustentada após 10 anos de terapia (Gunderson et al., 2011). A chave é combinar psicoterapia, suporte social e, quando necessário, farmacoterapia.
Conclusão
Transtornos de personalidade não são sentenças definitivas. Com compreensão neuropsicológica e intervenção adequada, é possível reconstruir trajetórias. Se você ou alguém próximo identificou padrões similares, busque ajuda profissional. A mente humana é resiliente – e a ciência está aqui para guiar sua transformação.
Dra. Aline Vicente é neuropsicóloga clínica, especializada em transtornos de personalidade, transtornos do neurodesenvolvimento e neurociência do comportamento. Atende em Penha/SC e online.
Este blog tem caráter informativo. Para diagnóstico e tratamento, consulte um profissional qualificado.
Referências Relevantes:
American Psychiatric Association (DSM-5-TR, 2022).
Zanarini, M. C. et al. (2018). Journal of Personality Disorders.
Gunderson, J. G. et al. (2011). Archives of General Psychiatry.
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