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O Barulho Interno e a Solidão Sílaba: Uma Reflexão Pessoal e Profissional

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Hoje, quero fazer algo diferente. Quero estender um abraço a partir de um lugar mais vulnerável. Este texto é, antes de tudo, um relato íntimo. São vivências que eu, Aline, carrego comigo. E, na minha jornada como neuropsicóloga, descobri que compartilhar nossa humanidade é o primeiro passo para criar uma conexão verdadeira. Escrevo isso para você que, como eu, já se sentiu profundamente sozinho mesmo rodeado de pessoas.


Quando digo "solidão", falo de um lugar específico da minha história. Refiro-me à incompreensão que se instala quando a gente percebe que nossos fios internos são tão complexos que traduzi-los em palavras parece uma tarefa fadada ao fracasso. É aquele silêncio optativo, uma escolha por não compartilhar, porque experiências passadas nos ensinaram que a vulnerabilidade pode ser recebida com um dessabor que machuca mais que o silêncio.

Eu conheço bem a metáfora do "barulho interno". Não é apenas uma expressão que ouço no consultório; é uma sensação corporal que já me habitou. É o eco de milhões de pensamentos, vozes e conexões que batem à porta da consciência, pedindo para ser libertos. É uma necessidade urgente que, ironicamente, se assusta com a própria força. E sim, uma parte de mim sempre questionou essa necessidade de falar, porque sabia, intimamente, o quão difícil é explicar um sentimento que, para mim mesma, era uma abstração quase intangível.


O Mundo nos Detalhes: Uma Forma de Ser

Uma das características que sempre me definiu, e que hoje entendo através da neurociência, é o que chamamos de processamento de alto detalhamento. Esta não é uma observação clínica distanciada; é a forma como eu experimento o mundo. Minha percepção é naturalmente permeada por fissuras de significado que, sei, podem fugir à compreensão linear.

Para mim, nada é verdadeiramente desconsiderável. Tudo carrega camadas de sentido.


O ato de fechar a torneira. Para a maioria, é um gesto automático. Para mim, a duração do gesto, o som final da água, o momento exato em que a mão gira o registro tudo isso pode conter um significado. É uma forma de experimentar o mundo que é, ao mesmo tempo, exaustiva e profundamente rica. A duração de um gesto, o intervalo entre uma palavra e outra, a cor que uma emoção parece ter tudo isso significa algo. Durante anos, me perguntei quando isso se tornou tão intenso, oscilando entre a aceitação de que isso simplesmente é o meu ser e a busca cansativa por uma explicação externa. E é sobre isso que as vozes não se calam. Elas podem ensurdecer.


Falar como Oração: A Busca por um Santuário

Neste contexto, a fala comum muitas vezes me pareceu inadequada. Sinto, no corpo, que transformar certos pensamentos em sons é como profanar algo sagrado. Eu me importo profundamente com as palavras, com seus ritmos e nuances. Para mim, elas têm cor e peso, mesmo que isso soe estranho para outros. O ato de falar o que é íntimo sempre se assemelhou a uma oração. E toda oração precisa de um santuário – um espaço de absoluto respeito e escuta sem julgamento.

A confissão difícil é que, por muito tempo, não encontrei esse santuário no mundo externo. Isso me levou a uma posição de observadora, de ouvinte. Tornou-me uma acumuladora silenciosa de indagações e emoções, o que, sei agora, é um mecanismo de proteção para muitos de nós que sentimos de forma tão intensa.


O Paradoxo e o Refúgio: Quando a Arte Fala por Nós

O paradoxo mais doloroso, para mim, sempre foi este: a sensação de despreparo para o diálogo íntimo, contrastando com uma certa habilidade para falar sobre o que os outros precisam ouvir. É dar ao outro a escuta acolhedora que, em momentos de crise, eu não conseguia me dar. Quando a fala se tornava uma necessidade emergencial de defesa, eu me perdia. As palavras saíam em turbilhão, era como me rasgar por dentro. Sentia-me como uma criança criada na selva, subitamente jogada na complexidade de uma cidade barulhenta – completamente despreparada para a linguagem da intimidade.


Mas foi desta dificuldade que nasceu meu maior refúgio: o santuário interno. Aprendi que conviver comigo mesma e me ouvir com gentileza era o primeiro passo. E descobri que, quando a necessidade da fala íntima emergia, a arte era a minha linguagem nativa. Escrever, cantar, desenhar tornaram-se as minhas orações mais verdadeiras. Eram os canais pelos quais eu podia libertar o barulho interno sem trair a sua complexidade sagrada.


Do Pessoal ao Profissional: Um Convite

Compartilho isso com você não para buscar simpatia, mas para solidificar uma ponte. Na minha prática clínica, levo a certeza de que muitas mentes funcionam com esta profundidade e este detalhismo. Isso não é uma patologia; é uma forma de ser.


O caminho de cura não é se forçar a se encaixar, mas encontrar formas autênticas de existir e se expressar. Se você se reconhece nestas palavras, saiba que a sua complexidade é válida. A arte que você cria, o cuidado com as palavras, a percepção aguçada tudo isso é parte de um todo magnífico.


E se um dia a carga for pesada demais, permita-se buscar ajuda. A terapia pode ser esse santuário profissional onde a sua voz, em toda a sua complexidade, não só será ouvida, mas compreendida e celebrada. Porque eu, tanto na minha jornada pessoal quanto na profissional, testemunhei que é possível aprender a nadar nas próprias profundezas.


Com respeito e identificação,

Aline Vicente


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