Sonhos e Abismos: A Jornada Arquetípica em Busca do Self na Psicologia Junguiana
- Neuropsicológa Aline Vicente
- 5 de nov. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 11 de fev.

O Sonho como Símbolo do Inconsciente
“O sonho é a pequena porta escondida nos recônditos mais secretos e íntimos da alma.”— Carl Gustav Jung
Quando falamos de sonhos, não nos referimos apenas a desejos conscientes ou metas pragmáticas. Na psicologia analítica junguiana, o sonho é um diálogo cifrado entre o ego e o Self, uma tentativa do inconsciente de revelar o que a mente racional insiste em negar. O que você chama de “sonho” aquela força que te move em direção a algo indefinido, mas visceral pode ser a voz do arquétipo do Herói, convocando-o a enfrentar o dragão da estagnação, ou do Sábio, sussurrando que há mais verdades a desvendar além do óbvio.
Mas cuidado: como alerta Nietzsche, olhar fixamente para o abismo pode transformá-lo em monstro. Essa metáfora não é mero acaso. Ela ecoa o conceito junguiano da Sombra o abismo interior que, não integrado, projeta-se no mundo como sabotagem, desânimo ou relações tóxicas.
1. O Sonho como Missão Arquetípica: Para Além do Desejo Superficial
Seu sonho não é apenas um “objetivo”, mas uma chamada do Self. Jung via os sonhos (tanto os noturnos quanto as aspirações da vida desperta) como símbolos de processos psíquicos em curso. Quando você diz “sinto que desejo algo maior”, está tocando na necessidade de individuação: o impulso de tornar-se quem você já é, em sua totalidade.
O Herói e a Prova: Todo sonho exige uma jornada. O arquétipo do Herói (presente em mitos como Hércules ou Perséfone) não existe para garantir vitórias fáceis, mas para ensinar que o caminho é a recompensa. Desistir do sonho é abortar o rito de passagem que o levaria a confrontar seus dragões internos: medo, insegurança, a Sombra.
O Inimigo Oculto: Nietzsche avisa: “Quem combate monstros pode tornar-se um monstro”. Na linguagem junguiana, isso significa que os críticos externos são espelhos da sua própria Sombra. Quem zomba do seu sonho está, na verdade, refletindo a parte de você que ainda duvida do seu direito de brilhar.
2. O Abismo que Olha de Volta: A Sombra e os “Vampiros de Energia”
Quando você pergunta “quem tem opinado sobre seus sonhos?”, está, sem saber, questionando que aspectos do seu inconsciente estão no comando. Os “vampiros” que sugam sua energia não são apenas pessoas tóxicas, mas projeções da sua própria resistência ao crescimento.
A Dinâmica da Projeção: Jung explica: projetamos no outro o que não reconhecemos em nós. O colega que ridiculariza seu projeto pode estar canalizando sua própria autossabotagem, enquanto o parceiro que desencoraja seu sonho talvez espelhe seu medo inconsciente do sucesso (sim, ele existe!).
O Preço da Não Ação: “Deixar o sonho de lado” é pactuar com a Sombra. Tornar-se “igualmente um monstro” (como diz Nietzsche) significa identificar-se com a crítica internalizada, abandonando a jornada do Herói para mergulhar na letargia do Ego fragmentado.
3. A Dieta Psíquica: Alimentando-se de Símbolos que Nutrem o Self
Jung afirmava que não somos vítimas do mundo externo, mas arquitetos do nosso mundo interno. Quando você diz “cuide com o que se alimenta”, está tocando em um princípio crucial: a ecologia psíquica.
O que Você Consome?
Pessoas: São arquétipos vivos. Alguém que "te inspira" pode personificar o Mentor (como Quiron para Aquiles), enquanto o “inimigo” pode ser o Trickster, desafiando-o a questionar certezas.
Conteúdos: Redes sociais, filmes, livros — tudo são alimentos simbólicos. Eles fortalecem o Ego ou nutrem o Self?
A Arte da Seleção: “Separar as sementes boas das mofadas” é um ato de discernimento psíquico. Pergunte-se: “Isso me aproxima do meu Self ou me aprisiona na Persona?” (a máscara social que Jung descreveu).
4. O Mar Revolto e o Marinheiro Individuado: A Necessidade do Conflito
“Mar calmo nunca fez bom marinheiro” é mais que um clichê motivacional. É uma verdade junguiana: o conflito é o crisol da transformação.
A Tempestade como Aliada:Para Jung, as crises (sejam relacionais, profissionais ou existenciais) são oportunidades de reequilíbrio psíquico. Elas revelam onde o Ego está rigidamente aferrado a ilusões e onde o Self clama por integração.
Navegar é Preciso:Abandonar o sonho é como negar o chamado do Self. Mesmo que o barco adernar, lembre-se: o arquétipo do Velho Sábio (representado por figuras como Merlin ou a deusa Atena) só se revela aos que ousam enfrentar o desconhecido.
5. O Caminho do Meio: Entre o Ego e o Self
Sonhar, na visão junguiana, não é sobre alcançar metas, mas sobre alinhar-se ao fluxo da psique.
Perguntas para Despertar o Self:
“Que partes de mim estão sufocando esse sonho?” (Explore a Sombra.)
“Qual arquétipo está me guiando neste momento?” (Herói? Vítima? Cuidador?)
“Como posso honrar esse sonho como um rito sagrado de transformação?”
Práticas Junguianas para Sonhadores:
Active Imagination: Dialogue com os personagens dos seus sonhos noturnos. Eles têm mensagens do Self.
Amplificação Simbólica: Relacione seu sonho a mitos universais. Ele se assemelha à jornada de Jasão em busca do Velocino de Ouro? Ou à Perséfone descendo ao Submundo?
Rituais de Passagem: Crie um símbolo concreto do seu sonho (um objeto, um desenho) para ancorá-lo no mundo material.
Epílogo: O Sonho como Ponte para o Self
Seu sonho não é um destino a ser conquistado, mas um diálogo contínuo com quem você realmente é. Quando Nietzsche fala do abismo, ele nos lembra que a escuridão que tememos já mora dentro de nós e é apenas integrando-a que a transformamos em luz.
Como escreveu Jung:
“Quem olha para fora, sonha; quem olha para dentro, desperta.”
Permita-se acordar. O sonho que você carrega não é um fardo, mas uma bússola. Segui-lo é aceitar o convite mais ousado que a psique pode fazer: tornar-se inteiro.
Pergunta ao Leitor:“Qual monstro do seu abismo interior você precisa enfrentar para que seu sonho deixe de ser uma semente e se torne uma árvore?”
Texto: Psicóloga Analítica Junguiana Aline Vicente | CRP 12/20020
Referências Junguianas: “O Homem e Seus Símbolos”, “Aion”, “Memórias, Sonhos e Reflexões”.
Commentaires