Minha Jornada no Espectro Autista: Do Diagnóstico à PsicoVivendo
- Neuropsicológa Aline Vicente
- 2 de abr.
- 4 min de leitura
Por Aline Vicente, neuropsicóloga e fundadora da Clínica PsicoVivendo

Hoje, quero compartilhar com vocês o dia em que descobri que sou autista.
Tudo começou na minha adolescência. Aos 15 anos, passei por uma fase conturbada, que durou até os 18. Entre crises de ansiedade, depressão e uma rigidez que me consumia, eu já estava fora do ensino regular há anos e não queria voltar. Foi durante uma consulta com um psiquiatra que ouvi, pela primeira vez, o termo "Asperger". Ele me disse que eu precisaria tomar medicação. Mas eu não queria estar ali, não queria ouvir aquilo, muito menos tomar remédios. Minha mente se encheu de perguntas assustadoras: Serei internada? Esse remédio vai me deixar louca? Vou deixar de ser eu mesma se tomá-lo? No fim, joguei tudo fora e segui em frente.
Retomei os estudos no EJA aos 18, parei, voltei aos 20 e finalmente concluí. Entrei em uma multinacional, mas as dificuldades vieram. No trabalho, era difícil interpretar as intenções das pessoas. Sofri assédio, vi colegas se aproveitarem do meu empenho — só hoje entendo isso. Nos relacionamentos, eu terminava sem explicar o motivo, como se minhas razões fossem só minhas.
Mas também havia luz:
Ao mesmo tempo, sempre me destaquei pela minha comunicação verbal, escrita e natural habilidade de liderança características frequentemente associadas a altas habilidades e superdotação. Minha criatividade, agilidade, empenho e dedicação fizeram com que eu me sobressaísse profissionalmente. Hoje, aos 34 anos, tenho 15 anos e 12 meses de contribuição ao INSS. Nunca parei de trabalhar desde que assinei minha carteira, sempre fui disciplinada e obstinada.
Perdida porque gosto de tudo:
Mas, apesar de todo esse esforço, eu me sentia perdida. Gostava de muitas coisas e era boa em muitas coisas. Tudo o que eu me propunha a fazer, eu conseguia. E isso, ao invés de me ajudar, me prejudicou. Estudei demais, fiz inúmeros cursos e me perdi no meio do caminho. Cheguei a um ponto de crise existencial, questionando: Por que estou aqui? Qual é o meu verdadeiro talento? Como posso contribuir no trabalho com algo que seja, de fato, meu? Para mim, sucesso nunca esteve ligado a dinheiro, mas à satisfação e ao impacto do que faço. Eu queria encontrar um propósito.
Procurei esse propósito na engenharia, na música, nas artes visuais, na programação, nas letras… mas só o encontrei na psicologia. No começo, não sabia o que esperar. Tinha algumas certezas: Não tenho talento para atender pessoas. Não quero estudar sobre testes psicológicos. Mas entrei de mente aberta. O que me levou à psicologia foi a minha própria essência: amo ler, escrever, estudar sobre o ser humano, sobre o corpo, filosofia, sociologia, história minhas matérias favoritas na escola.
A Psicologia e a Descoberta do Autismo
Ainda assim, a trajetória foi desafiadora. Na psicologia, descobri que Asperger já não existia como diagnóstico, que agora fazia parte do espectro autista. Comecei a me identificar com outro olhar, um olhar mais acolhedor. Antes, eu sentia vergonha de falar sobre isso, achava que era uma doença e que, se falasse, nunca seria contratada. Durante a faculdade, enfrentei dificuldades: atrasos na entrega de trabalhos, medo de apresentações, problemas com cálculos, desafios em trabalhos em grupo. Pensei em desistir várias vezes, mas resisti e me formei.
Essa inquietação, essa necessidade de aprender sobre tudo e, ao mesmo tempo, me sentir perdida, é comum em pessoas com altas habilidades. Parece que nada é suficiente, que há sempre mais conhecimento a ser buscado.
Depois de formada, enviei currículos para diversas clínicas, esperando uma oportunidade para iniciar minha jornada profissional. Eu sabia que gostava do estágio clínico e queria seguir atendendo. Mas os retornos não vieram. Então, incentivada por algumas pessoas, decidi criar meu próprio espaço: um quarto anexo à minha casa. Foi ali que nasceu a Clínica PsicoVivendo.
No início, resisti. Trabalhei isso na terapia. Era difícil aceitar a ideia de deixar um ambiente onde eu tinha total controle para construir algo maior, com uma equipe, com mais pessoas envolvidas. A pressão foi grande.
O Diagnóstico que Reescreveu Minha História
Os questionamentos voltaram. Foi então que decidi fazer uma avaliação neuropsicológica para entender, de fato, o que eu tinha. Na minha cabeça, achava que talvez tivesse apenas TDAH e que o diagnóstico de Asperger fosse um erro.
Fiz a avaliação, relatei minhas dificuldades: falhas na memória, desatenção, meu jeito peculiar de ser. No final, recebi os diagnósticos de Autismo, TDAH, Discalculia e, posteriormente, Altas Habilidades/Superdotação e Dislexia. Foi um choque. Nunca imaginei que tantas peças fariam parte do meu quebra-cabeça.
No começo, tive medo de contar para as pessoas próximas. Pesquisei, busquei respostas, mas não encontrei ninguém exatamente como eu. Só depois entendi: eu nunca encontraria. Cada pessoa é única no seu funcionamento. E, por muito tempo, não soube explicar isso para os outros. Foi confuso, angustiante. Algumas pessoas invalidavam o que eu sentia, dizendo: Isso é coisa da sua cabeça. Talvez, no início, eu mesma não me aceitasse e, por isso, buscava validação externa.
Demorei para me entender dentro do espectro, para me assumir, para não ter vergonha. Mas hoje, eu compreendo. Não há motivo para esconder, porque está tudo bem ser quem eu sou. Não há falhas, não há doença. É apenas um jeito de existir. E entender isso foi um alívio.
Foi um processo longo, de muito estudo e terapia. O que mais me ajudou foi conversar com adultos autistas, ouvir suas histórias e perceber: Está tudo bem serem quem são. São incríveis exatamente assim. Então, olhei para o espelho e disse o mesmo para mim.
Se minha história puder te trazer um pouco dessa sensação, eu já estarei feliz. Quero que você saiba que está tudo bem ser quem você é. Você não precisa da validação de ninguém. Só você conhece suas dores, seus desafios e o que sente. Acolha isso. Ouça sua própria voz.
E para finalizar, um convite: Seja gentil com sua história. Acolha suas dores, mas também suas luzes. E se precisar de um lugar onde você é visto, ouvido e celebrado exatamente como é, estamos aqui.
Com amor,
Aline Vicente💙
Fundadora da PsicoVivendo | Neuropsicóloga | Autista
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